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por Gabriela Schatz

Irmão do Deus do terror Deimos, eram esperados grandes feitos de Fobos, um dos três filhos de Ares e Afrodite. Diferentemente da irmã Harmonia, considerada a personificação da paz, Fobos puxou o lado paterno da família, lutando as batalhas do pai e formando uma dupla imbatível com o irmão: Deimos espalhava o terror; Fobos o medo.

Eras mais tarde, quando os deuses do Olimpo já haviam se aposentado e cedido seus lugares a novas divindades, o mito de Fobos serviu para dar nome a uma das doenças mais recorrentes da atualidade: a fobia. Ainda hoje, ela faz jus ao mito que lhe nomeou, sendo diretamente ligada ao medo. Há apenas uma pequena diferença entre os dois conceitos: o medo é um instinto natural e necessário para a preservação da espécie. Já a fobia ocorre quando o medo atinge um nível irracional e prejudicial ao indivíduo. “A fobia é um medo desproporcional de uma situação”, explica Mariângela Gentil, doutora em Psicologia do Pequeno Instituto de Psiquiatria da USP. “Ele faz com que você fuja da situação. Então, por exemplo, se eu tenho fobia de elevador, eu olho para o elevador e subo a escada”.

A fobia é considerada, pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DMS V), um transtorno de ansiedade, ou seja, um distúrbio que compartilha características de medo e ansiedade excessivos, além de perturbações comportamentais. O medo é a resposta à ameaça iminente, sendo associado a pensamentos de perigo ou comportamento de fuga. Já a ansiedade é caracterizada pela antecipação de uma ameaça futura, tendo sintomas como tensão muscular, vigilância e comportamento de esquiva ou cautela.

Segundo o relatório sobre “Depressão e outros transtornos mentais comuns”, disponibilizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 2017, os transtornos de ansiedade, nos quais a fobia se encaixa, já atingem mais de 264 milhões de pessoas pelo mundo, sendo mais comuns em mulheres. Na região das Américas, por exemplo, 7,7% de mulheres sofrem com essas patologias, enquanto o percentual dos homens é bem menor, 3,6%.

Não há uma explicação exata para o surgimento das fobias, as causas variam desde acontecimentos traumáticos, pressão social que os indivíduos sofrem diariamente ou até mesmo a genética. Em alguns casos, elas surgem sem motivo conhecido. “Existe uma explicação genética, as pessoas que tem na família alguém com essas características têm maior probabilidade de ter. Outras fobias surgem de situações traumáticas. Mas às vezes não acontece nada, você nunca ficou preso em elevador e você tem medo de elevador”, esclarece Mariângela.

Maria Cristina não sabe dizer por qual motivo desencadeou uma claustrofobia (medo de lugares fechados). “Insegurança e também um pouco da atenção das pessoas, eu sentia que todos estavam me olhando”, chuta incerta. Hoje, aos 58 anos, ela superou seu medo, mas ainda se recorda das perdas que a doença lhe causou. “Eu nunca terminei meus estudos de piano, que fazia há muitos anos. Perdi o curso de Administração de Empresas, que fazia na faculdade. Eu sempre saia correndo de tudo”, relembra com pesar.

Mariane, por outro lado, ainda precisa conviver com seus medos. Desde pequena ela sofreu por ser diferente, enquanto outras crianças se alegravam ao enxergar um palhaço, ela entrava em pânico. “Uma vez, há alguns anos, um palhaço me ofereceu um balão no sinal e eu dei um soco na cara dele, alguns minutos antes de desmair e chorar muito. Só não chamaram a polícia, porque minha amiga explicou para os presentes a minha situação. Como eu disse antes, muitas vezes eu perdia completamente o controle das minhas ações”. Além da coulrofobia, reconhecida como o medo intenso de palhaços, Mariane também possui tripofobia, um temor inexplicável de padrões geométricos, geralmente buracos em agrupamento encontrados na natureza, como colmeias de abelhas.

Hoje, com 21 anos, ela se alegra ao perceber uma melhora nas crises: “Sinto medo e tenho um mal-estar grande, procuro evitar situações de contato com os causadores das fobias, mas havendo o contato, as crises não costumam vir fortes como antes”. Para Mariane, o mais difícil é lidar com a descrença dos outros. “A única situação que de fato me incomodou foi ver uma quantidade gigantesca de pessoas fazendo chacota da fobia e até provocando em grupos e afins. Cheguei a ter que sair de um grupo de cinema que eu adorava, porque quando eu e algumas pessoas reclamamos sobre os palhaços serem trigger [gatilho], ‘instauraram’ uma ditadura dos palhaços no grupo para nos provocar. Ou seja: ninguém leva fobia a sério. Já chegaram a me falar que isso nem existe”, comenta, após ser questionada sobre sua reação ao recente lançamento do filme “IT, a coisa” (2017), do diretor Andy Muschietti, que tem como personagem principal um palhaço demoníaco.

 É hora de pedir ajuda?

O grande X da questão quando se discute a fobia é a qualidade de vida. No geral, toda pessoa que possui uma fobia vai passar por situações de ansiedade, pânico e medo absurdo ao longo de sua vida em comum com o transtorno. Além disso, a fobia atrapalha atividades comuns do dia a dia. Quem possui agorafobia ou fobia social, por exemplo, passa a deixar de frequentar lugares, de sair com amigos ou de se relacionar amorosamente. Para evitar isso, é preciso, em primeiro lugar, aceitar que há um problema.

“Às vezes ela nem sabe que aquilo existe, que é um problema. Ela acha que é, a gente brinca, a ‘Síndrome de Gabriela’. Uma coisa da personalidade dela, eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou assim”, Mariângela brinca. É comum que exista um preconceito estabelecido sobre a fobia: a ideia de que não passa de uma frescura. Tal tabu é extremamente prejudicial para aqueles que possuem o transtorno, impedindo, muitas vezes, que busquem ajuda por acreditarem nesse prejulgamento. “Dependendo da fobia a pessoa deixa de fazer muitas coisas. Eu tive uma paciente que tinha fobia de sangue e agulhas, ela tinha 39 anos e nunca tinha feito um exame de sangue. Nunca tinha feito um hemograma na vida. Era uma coisa bem preocupante. Ela não podia engravidar, porque tinha medo. É que quando a gente fala prejuízo não imaginamos o tamanho do prejuízo”, diz Mariângela.

Além disso, as crises podem causar danos físicos aos indivíduos que possuem a patologia. “No caso da coulrofobia, começam com falta de ar (muito semelhante a uma crise de asma), seguidas de hiperventilação, tonturas e desmaios e vômito. Em alguns casos posso ficar agressiva e sem controle sobre as minhas ações, o que gera transtornos muito grandes. Na tripofobia é mais leve (se comparado), normalmente são tonturas, vômito e crises de coceira, chegando a rasgar a pele de tanto arranhar”, conta Mariane.

A primeira visita a um consultório pode ser assustadora, por isso é importante o apoio da família. Antes, durante e após o tratamento, a companhia dos pais, filhos ou conjugues se torna vital para alcançar a cura. Na clínica, após descobrir qual é o exato tipo de fobia que o paciente possui, é dado início ao tratamento. Na maioria dos casos a solução é a mesma: enfrentar o medo. Logo, aos poucos, os psicólogos iniciam um processo chamado Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), na qual o paciente será exposto a situações que lhe causam a fobia e terá de enfrentá-las, aprender a conviver e lidar melhor com elas. Em alguns casos específicos, como pacientes com agorafobia (medo de lugares e situações que possam causar pânico, impotência ou constrangimento), o tratamento também ocorre na base de medicamentos.

Renata já deixou de realizar muitas atividades por causa da fobia. “Não uso serviços de bancos, supermercado, feiras, não consigo ficar em lugares fechados com muitas pessoas. O supermercado me deixa desesperada, a feira, com muitas vozes e pessoas se esbarrando… Parece que sou a atração, todo mundo me olha como se estivesse escrito na minha testa que tenho fobia”. Diagnosticada com agorafobia, aos 33 anos, Renata logo recorreu ao auxílio profissional, sentia que aquilo não podia ser apenas uma bobeira sua.  Após procurar ajuda, partiu para o tratamento com medicação.

Com Maria não foi diferente, assim que percebeu que estava com um transtorno real, procurou ajuda. “No psicólogo e no psiquiatra eu fazia relaxamento, tomava, às vezes, algum medicamento. E tinha que fazer o exercício de procurar enfrentar o problema gradativamente”.

Hoje em dia já existem softwares criados especificamente para o auxílio do tratamento dessas fobias. Em certos quadros se torna difícil trabalhar a exposição direta ao medo, como uma paciente com fobia de injeção-agulha que fica grávida ou alguém com medo de voar. Como confrontar essas fobias diretamente? “Em alguns casos hoje a gente já tem softwares para trabalhar com a realidade virtual. Então a pessoa se expõe a situações de ansiedade de modo virtual”, explica a psicóloga. O sistema funciona de forma semelhante a um vídeo game e, apesar de ainda não ter grande público no Brasil, a realidade virtual vem apresentando bons resultados.

A terapia não é um processo demorado, em cerca de seis meses o paciente com fobia específica, por exemplo, pode estar curado. E não são apenas clínicas particulares que oferecem tratamento, é possível buscar ajuda em clínicas de escolas de psicologia e psiquiatria e em locais como o Hospital das Clínicas de São Paulo, a Santa Casa e também a Associação dos Portadores de Transtornos de Ansiedade, uma ONG que oferece ajuda gratuita a pessoas com esse tipo de patologia.

Classificação

Os especialistas classificam as fobias em três tipos: social, agorafobia e específica. A fobia social é caracterizada pelo medo de interações sociais. Normalmente, as pessoas que possuem esse transtorno temem ser humilhadas ou avaliadas negativamente pelos outros, evitando encontros com desconhecidos, se alimentar em público, entre outras situações que possam lhes colocar nessa posição.

A agorafobia é identificada pelo medo de situações onde a pessoa acredita estar incapacitada de encontrar um escape caso passe mal ou tenha um ataque de pânico. Logo, os locais mais assustadores para os agorafóbicos são os transportes públicos, espaços muito abertos ou muito fechados, multidões ou, em alguns casos, simplesmente estar sozinho fora de casa.

A fobia específica é um pouco mais ampla. Pode ser dividida em quatro subtipos principais: de animais, de ambiente natural, de sangue-injeção-ferimentos ou situacionais. Nesse quadro, o indivíduo se esquiva de objetos ou situações singulares. E a lista desses medos é enorme. Dentre os mais curiosos estão a coulrofobia (medo de palhaços), somnifobia (medo de adormecer), a heliofobia (medo do sol), entre centenas de outros tipos que podem ser encontrados mundo afora.

Não é um exagero dizer que o número de fobias existentes é quase infinito. Devido a sua natureza ligada, geralmente, a eventos traumáticos, é possível que surjam novas fobias com frequência. Os dicionários comportam apenas algumas centenas de nomes para esses transtornos, no entanto é possível que existam muito mais medos por aí do que os livros nos contam.

Algumas das fobias mais curiosas

Fobofobia: ironicamente, é o medo de sentir medo

Tripofobia: medo de buracos aglomerados

Coulrofobia: mais comum em crianças, é o pavor de palhaços

Afefobia: o medo irracional de ser tocado

Heliofobia: é o medo inexplicável do Sol. Pode gerar grandes problemas, como a falta de vitamina D

Somnifobia: o medo de dormir, ou por achar que nunca mais vai acordar ou por causa de pesadelos

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